sábado, 22 de janeiro de 2011

Quem decide a razão?

Em 1994, ao receber o prémio Nobel da Economia pelo seu contributo relevante para a Teoria dos Jogos, o matemático norte-americano John Nash, retratado por Russell Crowe no filme ‘Uma Mente Brilhante’, perguntava: "Quem decide a razão?".

John Nash sustentou que aquilo que decide a razão, num estado de equilíbrio entre argumentos contraditórios, é a atenção dada a todos os pontos de vista dos adversários. A sua teoria vale para os jogos não cooperativos, em que cada um toma decisões sem ter conhecimento do comportamento dos outros. O modelo é aplicável à vida e, por isso, é interessante para pensar juridicamente.

Em Direito, podemos excluir que a coacção e o medo decidam a razão. Com efeito, a coacção impede a razão (que pressupõe liberdade de pensamento) de se desenvolver e manifestar e o medo não permite tomar decisões ponderadas, lógicas e razoáveis. A coacção e o medo, quer tenham uma causa política, económica ou religiosa, nunca tornam justo ou verdadeiro o que não o pode ser.

Não decide a razão, em Direito, o egoísmo individual ou de grupo, que impede a consideração dos interesses alheios. E também não decide a razão uma perspectiva que negue o que é devido a cada pessoa, de acordo com o seu mérito e com respeito pela igualdade. A igualdade nunca significa, no entanto, uma redução inútil da posição vantajosa de terceiros, ou seja, a mera tutela da inveja.

Não decidem a razão, em Direito, a imprevisibilidade e a arbitrariedade das decisões do Estado. A razão pressupõe acordo prévio e confiança nos critérios da Justiça. Uma decisão judicial nunca pode ser totalmente inesperada. Mesmo perante um problema novo, os critérios de decidir estão inscritos numa sabedoria de séculos. Tal como o vejo, o Direito não é ciência nem é técnica: é um saber.

Porém, a razão, em Direito, não é absoluta. Como dizia Herbert Hart, a Justiça pode até conflituar com a Moral. São Francisco de Assis tornou a Caridade conflituante com o Direito quando criticou o direito de propriedade.

No seu discurso de laureado, Nash assumiu que a razão, em geral, seria o amor, olhando para a sua vida de luta contra a esquizofrenia e a hostilidade das "pessoas normais".

Em Direito, o que decide a razão é a consideração das diferentes perspectivas sobre os problemas e a cooperação equilibrada, entre todas as pessoas, para que cada uma possa desenvolver livremente a sua personalidade e realizar o seu projecto de vida. A razão jurídica não coincide, de modo necessário, com a razão política, mas constitui o limite incontornável do Estado de Direito Democrático.

Fernanda Palma, Correio da Manhã, 09JAN2011